O anúncio feito no fim de semana pelo prefeito de Goiânia, Sandro Mabel, gerou polêmica e questionamentos jurídicos. Durante evento público, o gestor afirmou que presos monitorados por tornozeleira eletrônica que não estiverem trabalhando deverão retornar à prisão.
A declaração, de tom firme, levanta dúvidas sobre até que ponto a Prefeitura pode interferir em questões que envolvem a execução penal, tema que, pela Constituição, é de competência do Estado e do Poder Judiciário.
O que diz a lei?
De acordo com a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), a função do cumprimento de pena é ressocializar o condenado, garantindo meios para que ele retorne à convivência social de forma digna.
O artigo 1º da lei é claro: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e, simultaneamente, proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”
A própria legislação prevê o trabalho do preso como dever social e instrumento de dignidade, mas não como condição para permanecer em liberdade — a menos que haja decisão judicial expressa nesse sentido.
Ou seja, não cabe à Prefeitura decidir quem deve permanecer com tornozeleira ou quem deve voltar ao presídio. Essa atribuição pertence ao Poder Judiciário e à administração penitenciária estadual.
Constituição e limites da Prefeitura
A Constituição Federal de 1988 assegura, no artigo 5º, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” — princípio da legalidade.
Ela também garante o respeito à integridade física e moral das pessoas privadas de liberdade, e reforça que o papel do Estado é reabilitar, não apenas punir.
Na prática, o município pode colaborar com programas de reinserção, oferecer vagas de trabalho e cursos de capacitação para egressos, mas não pode determinar o retorno ao cárcere de quem está sob monitoramento judicial.
Assim, o anúncio de Sandro Mabel toca em uma área delicada: o limite entre o poder administrativo e a competência judicial.
Especialistas ouvidos por juristas e órgãos de execução penal costumam alertar que medidas punitivas fora do âmbito legal podem ferir garantias constitucionais e acabar sendo contestadas na Justiça.
Famílias e reintegração social
Outro ponto que a medida levanta é o impacto sobre as famílias dos monitorados.
Muitos egressos do sistema prisional enfrentam dificuldades para conseguir emprego justamente por causa do estigma da tornozeleira. Condicionar a liberdade ao trabalho sem oferecer oportunidades concretas pode acabar reforçando o ciclo da exclusão, em vez de quebrá-lo.
A Lei de Execução Penal, em seu artigo 10, determina que o Estado deve oferecer assistência social, educacional e material ao preso e ao egresso, garantindo que ele tenha condições reais de reconstruir a vida e sustentar sua família.
Nesse sentido, a Prefeitura pode — e deve — atuar como parceira em políticas de reinserção e apoio às famílias, mas sem ultrapassar os limites de competência.
Debate aberto
O posicionamento do prefeito Sandro Mabel traz à tona uma discussão importante:
É possível falar em ressocialização quando a única alternativa oferecida é o retorno à prisão?
Mais do que anunciar medidas de impacto, o momento pede debate técnico e humano sobre como garantir segurança pública e, ao mesmo tempo, respeito aos direitos fundamentais de quem busca uma segunda chance.
Viver Goiás
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